Lyrics
O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.
E os que leem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.
E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama coração.
Não sei quantas almas tenho.
Cada momento mudei.
Continuamente me estranho.
Nunca me vi nem acabei.
De tanto ser, só tenho alma.
Quem tem alma não tem calma.
Quem vê é só o que vê,
Quem sente não é quem é,
Atento ao que sou e vejo,
Torno-me eles e não eu.
Cada meu sonho ou desejo
É do que nasce e não meu.
Sou minha própria paisagem;
Assisto à minha passagem,
Diverso, móbil e só,
Não sei sentir-me onde estou.
Por isso, alheio, vou lendo
Como páginas, meu ser.
O que segue não prevendo,
O que passou a esquecer.
Noto à margem do que li
O que julguei que senti.
Releio e digo: "Fui eu ?"
Deus sabe, porque o escreveu.
Não basta abrir a janela
Para ver os campos e o rio.
Não é bastante não ser cego
Para ver as árvores e as flores.
É preciso também
não ter filosofia nenhuma.
Com filosofia não há árvores
há ideias apenas.
Há só cada um de nós,
como uma cave.
Há só uma janela fechada,
e todo o mundo lá fora
E um sonho do que se poderia ver
se a janela se abrisse,
Que nunca é o que se vê
quando se abre a janela.
Uns, com os olhos postos no passado,
Veem o que não veem:
outros, fitos
Os mesmos olhos no futuro,
veem
O que não pode ver-se.
Por que tão longe ir pôr o que está perto —
A segurança nossa?
Este é o dia,
Esta é a hora,
este o momento,
Isto
É quem somos,
e é tudo.
Perene flui a
interminável hora
Que nos confessa nulos.
No mesmo hausto
Em que vivemos,
morreremos.
Colhe
O dia,
porque és ele.
O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.
E os que leem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.
E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama coração.